Abel Braga é um ídolo do Fluminense, todo tricolor sabe disso. Abel Braga também é um treinador rodado, vitorioso, boa praça, todo mundo também sabe disso.
Só que Abelão faz esse ano pior trabalho de sua história no Fluminense, pelo menos em matéria de resultados. Isso é meio indiscutível, porém faz do trabalho, como um todo, um péssimo trabalho? Como o avaliamos?
Bem, há diversos caminhos possíveis. Um deles é o do laço sentimental dominando a parada, Outro é o viés que isenta Abel de todos os erros e culpa o elenco. Há um terceiro que faz o inverso, isenta o elenco e culpa Abel e há ainda um quarto que isenta todos e culpa a diretoria.
Eu proponho um quinto, que nem isenta ninguém nem joga por terra o que tem de bom e aponta caminhos pra que Abel permaneça fazendo o bom trabalho, melhorando onde falhou.
Nessa análise vou optar por não entrar na crítica a Abad enquanto fruto da administração Peter, embora a crítica seja fundamental que ocorra, sem deixar de reconhecer o que Abad fez de bom, e de ruim.
Bem, começando pelos erros, Abel poderia ser crucificado pelas substituições e pelo desempenho, o elenco pode dar mais do que deu, e é melhor do que a torcida cega por reforços enxerga. Só que ai entra também a necessidade de sentir o feeling do técnico e entender as características do elenco, jovem e talentoso.
Abel errou e erra por dar chances extras a jogadores incapazes de corresponder, como Renato Chaves, Lucas, Júlio César, Pierre, Romarinho e Renato ao mesmo tempo que reduziu chances de jovens talentosos que poderiam crescer como Mascarenhas e Daniel. Também trabalhou mal o lançamento de jovens com muito talento, como Pedro, Peu e Luquinhas, e de um bom lateral que sofreu com o excesso de responsabilidade e exposição pra alguém que ainda não tem mental de profissional, como Léo.
A barração do Cavalieri foi surreal, a não titularidade do Reginaldo e a insistência no Léo, abaixo do que pode, como “bom de defesa” foram erros flagrantes do treinador.
Mas Abel acerta, e muito, lançando jovens como Calazans, Matheus Alessandro, Wendel, dando moral pro Douglas, acertando no posicionamento do Sornoza, achando o Richard e recuperando o Marcos Júnior.
Há dúvidas sobre porque Abel demorou tanto a dar mais chances ao Robinho e porque demorou tanto pra sacar o Orejuela, que veio caindo de desempenho e tem sobre si uma dúvida inclusive sobre seu comprometimento, embora a técnica pra posição seja inegável.
Também foi problemática a decisão de emprestar Daniel,único possivelmente com características similares às de Sornoza que com alguma confiança substituiriam o equatoriano mantendo um tipo de mentalidade de jogo que fez com que alcançássemos nossos melhores resultados no ano, e de não aproveitar Lucas Fernandes e trazer Romarinho. Lucas Fernandes inclusive talvez tenha mais talento pra substituir Scarpa em vez de obrigar a adaptar um segundo volante para atuar de meia, como volta e meia Abel faz com Wendel.
Outro problema foi a insistência meses a fio com um meia a menos porque perdeu Scarpa ou espetar laterais e atacantes de lado juntos criando um abismo entre alinha defensiva e a meia, sobrecarregando os volantes. Além disso foi pouco inteligente a insistência num 4-2-4 sem um primeiro volante bom de desarme, coisa que só melhorou como achado do Richard, mas que poderia ter sido resolvida com treinamentos focados do Orejuela e Marlon Freitas para desarmarem ou mesmo mantendo o Marlon Freitas de titular e treinando-o especificamente pra isso.
A perda de Sornoza deixou Scarpa sobrecarregado e Abel ainda não conseguiu solucionar este problema, mesmo tendo meias ofensivos como Robert e Luquinhas à disposição, com o primeiro tendo técnica e visão de jogo pra se adaptar a esta função com alguma sequência.
Há provavelmente outras questões que deixam claros os defeitos de Abel. O problema é que nenhum deles surpreende ninguém que analisa Abel por mais de seis meses. Abel é assim.
Abel conseguiu respostas mais rápidas em 2005, mas em 2011 ele ficou praticamente seis meses dando cabeçada até acertar um time, se sustentando num Fred em sua melhor temporada pelo Flu e em um Sóbis sendo um baita coadjuvante.
Em 2011 o Fluminense não empatava e perdia pra todos os times que jogavam futebol reativo e nos pegavam de calças na mão, isso com um elenco muito melhor em média e um futebol menos intenso que o de hoje. No ano seguinte Abel já tinha um ataque treinado e entrosado e começou a acertar os problemas da defesa e fomos campeões brasileiros.
Em 2017 Abad assume com Abel como treinador e pela primeira vez em quase duas décadas um departamento de futebol estruturado e um CT, mas sem dinheiro nenhum pra contratação. E é a partir daí que começamos a falar dos acertos de Abel, e da diretoria.
Jogar fora que Abel achou um time do nada, usando a base, jogadores voltando de empréstimos e só três reforços, sendo que dois deles caíram absurdamente de rendimento como Lucas e Orejuela, e outro ficou meses fora por uma contusão grave, Sornoza? Não dá.
Abel não apenas achou um time, recuperou jogadores como Welington, Douglas e Marcos Júnior, achou Wendel, Reginaldo, Frazan, Calazans, Norton, Marlon Freitas, Richard, Matheus Alessandro e até Pedro que na partida contra o cruzeiro pela primeira vez mostrou o futebol que o elegeram um dos melhores atacantes da base. Não deu sequência ao Mascarenhas muito por pressão da base que precisava dele depois de diversas perdas pro profissional, mas daria se o Marlon não viesse.
E rapidamente encontrou um futebol com alto desempenho, que parou no Flamengo no estadual e degringolou com a perda do fundamental Richarlison.
Richarlison, que nem o mais otimistas de seus admiradores imaginava que se tornaria o jogadoraço que é em apenas um ano, foi fundamental pra Abel, e sua perda nunca teve recuperação até Marcos Júnior ser recuperado.
O ano todo Abel com um bom elenco poderia ter ido mais longe? Poderia sim, mas não foi, e muito porque nem Abel deu conta das dificuldades do clube e de seu efeito na cabeça dos moleques. Da falta de grana pra investir até todas as especulações em torno de venda de atletas, tudo isso mexe demais com um elenco extremamente jovem.
Junta isso com os problemas táticos e teimosias do Abel e temos muitas explicações pra nossa colocação na tabela.
A diretoria errou exatamente no clima de vendas a todo custo, mas acerta em manter Abel, a estrutura e a ideia de aproveitar a base e jovens jogadores à revelia da histeria de parte da imprensa, torcida e blogueiros boquirrotos, leigos ou experts.
Porque Abel tende a se organizar, a construir um time e aprender com seus erros. Seria assim em 2006 no Fluminense, foi assim em 2012 no mesmo Fluminense e permaneceria sendo se não fosse estupidamente demitido em 2013.
E a diretoria deve à torcida mais que títulos, ela deve estabilidade no futebol depois de quase vinte anos de amadorismo com dinheiro ou sem dinheiro rifando o futuro como foi com Horcades, Peter e seria com Mário ou Celso (Que são corresponsáveis com Peter pela falência financeira do Fluminense).
E estabilidade passa por manter e aperfeiçoar uma filosofia de futebol com base no talento, na tática e na busca do desempenho.
A diretoria nos deve manter o trabalho e aperfeiçoá-lo porque se omitiu diante do que Peter fez com nossas finanças, mas também porque a filosofia tem uma profunda inteligência e faz parte de uma reorganização administrativa que tende a tornar o Fluminense mais forte no futuro: Produção de jogadores pela base mais uma política e administração que reforça o comercial e constrói melhorias sustentáveis. E nisso a diretoria tá de parabéns em manter e fazer.
Dos patrocínios do fim do ano à permanência do Abel, a recuperação financeira com o uso de ativos do clube, como jogadores da base e emprestados, tudo isso passa por um projeto sustentável de grandeza longa pro Fluminense e não arroubos coronelescos ou milagreiros pra salvar um clube que precisa dar um passo além dos discursos marrentos dos Celso Barros que dizem que vão trazer o Messi, mas são responsáveis pelos Marcelinhos das Arábias pra queimar desafeto.
Não adianta gritar Fora Abad ou Fora Abel ignorando o real, o que se tem, a conjuntura, tudo o que o Fluminense passa e o que aponta pro futuro.
Temos a décima quinta cota junto com o Botafogo e outros, temos até hoje um departamento de marketing pífio, que parece ser reformulado agora. 90% dos custos do futebol são com ex-atletas, dívidas e jogadores caríssimos que não temos condições de manter (muitos deles reservas).
A diretoria Abad paga por ter sido fruto da diretoria Peter, e tem mesmo que responder sobre isso, mas também precisa ser avaliada sobre como reagiu ao quadro.
E a meu ver reagiu bem, a reestruturação administrativa tocada a partir da avaliação de auditoria externa me parece ter resultados e a conquista dos patrocínios pontuais no fim do ano, vamos lembrar de como tá a economia do país e que tem muitos outros sem patrocínio máster.
A política pro futebol foi acertada na maioria dos casos. Errou em emprestar Daniel e Lucas Fernandes e em não resolver logo cedo a questão das laterais, especialmente a esquerda onde Mascarenhas poderia ter sido efetivado desde cedo, mesmo que custando caro pro sub-20, e Marlon poderia ter sido trazido mais cedo também, assim como a venda do Richarlison, mas acertou na maior parte do ano. Inclusive trazendo Abel.
A ideia de manter uma comissão de direção do futebol colegiada, com a participação dos profissionais e dos quadros administrativos é excelente. A aproximação do Parreira idem.
Se Parreira não é mais o profissional antenado do passado é ainda um quadro do clube e tende a contribuir de forma inteligente pra uma equipe de direção do futebol com perfil multifacetado.
Abel seguindo no comando vai ter os próprios erros para corrigir, e ele é ótimo nisso, e um elenco na mão. E com ajustes táticos e um elenco firme o ano todo, Abel tende a fazer em 2018 um trabalho muito melhor que o deste ano, no mínimo pra brigar.
Precisa manter Scarpa e Sornoza, trazer de volta Daniel, dar mais chances pro Luquinhas, ampliar o espaço do Robert, manter Welington, Marcos Júnior, Matheus Alessandro, Calazans, Richard, Marlon Freitas e Norton.
Dos mais experientes é fundamental manter Henrique, Cavalieri e Ceifador. Pra compor a zaga temos Reginaldo, Frazan e Nogueira, além de Alan Fialho e outros zagueiros saídos da base que são pelo menos do mesmo nível que o Renato Chaves. Pras laterais precisamos subir o Mascarenhas de vez pra fazer sombra pro Marlon, pra direita é insistir no Norton, aprimorá-lo e dar chance ao Diogo.
Robinho recuperado e desde o início do ano trabalhando com o grupo, Orejuela tomando vergonha são outros jogadores de qualidade à disposição.
Pra negociar acredito que é hora de Pierre, Renato Chaves, Renato, Júlio César e Lucas darem uma volta, irem procurar rumo. Lucas foi bem, mas caiu demais e sempre foi assim. E já deu, é experiente demais pra certos erros e osciladas, e caro.
E Gum precisa sair, precisa ganhar novos ares. Não temos como pagar altos salários para um bom zagueiro com história no clube, mas abaixo do nível do Reginaldo.
Notem que não citei reforços, nem mencionei gasto de grana, mantenho a crença que o Fluminense tem um bom elenco que passou pela prova de fogo este ano e tem tudo pra crescer nas mãos de Abel no ano que vem.
Com um ano menos turbulento, redução de folha com o fim de manutenção de jogadores caros não utilizados e Abel desafiado a ser melhor do que foi podemos ter um ano excelente em 2018,mas precisamos falar sobre Abel, sem binarismo, sem esquecer conjuntura, sem desvalorizar nem supervalorizar um bom elenco jovem e desequilibrado.
Precisamos sim falar, e criticar Abel Braga, mas sem os arroubos tolos de juventudes ultracríticas sem noção de contexto nem a vilania dos grupos políticos, menos ainda a acriticidade dos apaixonados.
Abel tá no primeiro ano de um trabalho que pode ser promissor, vamos respeitar seu tempo, compreendê-lo dentro da conjuntura e de suas características históricas, porque senão seremos injustos e péssimos analistas, mesmo os que usam jargão da análise moderna.
Abel é um técnico que merece críticas, mas também é um bom técnico com características específicas de começo de resultados com equipes e um patrimônio.
Não podemos esquecer disso para a necessária fala sobre Abel Braga.