Como você ama seu clube de coração?

Como você ama seu clube de coração?

 

Escrever sobre o amor a um clube tem enormes complicações.

Porque amar um clube de futebol não é como amar uma mulher ou um filho, não clama em ti a sanha de erguer carros para salvá-los ou de nutri-los com o próprio sangue se preciso.

Amar um clube sequer é amar sua profissão ou uma ciência ou uma teoria, uma fé.

Amar um clube é amar ser.

Ser, antes de mais nada, é o que é o amor a um clube.

Poucos versos do hino do Fluminense me causam mais emoção que “O Fluminense me domina, eu tenho amor ao tricolor”.

E não por uma razão especial além da obviedade ululante: amar um clube é ser parte de seus domínios, não como oprimido, mas como parte da pele do clube, ele mesmo marcado em ti, na alma, na pele.

O Fluminense me domina, pois não há em mima nada que não seja Fluminense. Não há nada em mim além de Fluminense e nada em mim existe sem ser Fluminense.

Este amor que é identitário e exclusivo de quem ama e exerce a identidade não é exclusivo do tricolor, ele assume outras formas, mas persiste vivo no colorado, no Rubro-Negro, no Alviverde e demais cores combinadas do planisfério futebolístico.

Em mim e nos tricolores ele assume o domínio do Fluminense sobre nós, a mitologia rodrigueana, a iconografia santa de Castilho, Telê, Rivellino, Assis, Washington, Ricardo Gomes, Branco, Romerito,  Renato Gaúcho, Thiago Silva, Roger até chegar em Thiago Neves, Fred, Conca, Cavalieri e Gum, o único remanescente vivo nas naus tricolores.

Em nós o amor e a identidade transcende os medos dos sobrenaturais de almeida, a fé em João de Deus e o papel do Gravatinha na construção de nossos sucessos.

Porque o Fluminense me domina, eu tenho amor ao tricolor, e um amor que é amar o ser, o estar em cores únicas e combinadas que em nossa pele nos fazem nós.

 

 

Abel e o retorno de um tipo de amor.

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A Torcida do Atlético Nacional de Medellin compôs o seguinte cântico ontem:

Que lo escuchen

En todo el continente

Siempre recordaremos

Campeon al Chapecoense #ForçaChape”

Ao ouvi-lo não pude deixar de me emocionar. Porque tem uma enormidade esse canto, essa torcida e esse clube que transforma tudo em pequenez, todos em menores, e isso é bom, porque essa percepção de consciente pequenez nos permite o aprendizado da melhora.

Aliás, salvo pontuais exemplos de estupidez cotidiana tudo o que envolveu a tragédia com a Chapecoense nos ensinou mundialmente caminhos de melhoria e transformação humanas poucas vezes vistos na história da humanidade.

O que vai permanecer vivo depois do período de luto não sabemos, podemos apenas rezar para que as diversas lições em inglês, francês, português, alemão, árabe, chinês, japonês, espanhol, etc permeie uma renovação no humanismo que fez o mundo um tanto melhor nos últimos séculos.

Sabemos que o mundo tem a velha mania de nos surpreender negativamente, e está aí Trump para não nos desmentir, mas vá lá, quem sabe, episódios traumáticos como esses nos renovem enquanto pessoas.

Não é todo dia no velho e violento esporte bretão que uma equipe solicita à confederação para perder um título e que esse seja atribuído ao adversário abatido por uma tragédia, vamos combinar.

Não é todo dia que brasileiros, das nacionalidades mais egoístas do planisfério, apoiam coletivamente o renascimento de uma equipe que o senso comum colocaria como “Pequena” em nome de nossa estrutural hierarquização e não só, de forma sensível e solidária se colocam exigindo que seus clubes auxiliem concretamente a Chapecoense, inclusive negativando no SPC moral os presidentes e dirigentes que não respeitaram a dor coletiva.

Aprendemos que existe saída nos últimos dois dias e não faço nenhum malabarismo pra incluir a contratação de Abel pelo Fluminense como parte disso.

Por quê? Abel tem trocentos defeitos, mas falta de amor pela vida, pelo Fluminense e pelo futebol não falta naquele corpanzil.

E não só, Abel é ético como poucos, é humano, é vivo, é bom. Nem precisa ser brilhante pra sacar disso.

Abel é dos poucos caras que se expõe com uma coragem do tamanho de seu corpo para exprimir amor, raiva, dor, mágoa.

Abel é gente, Abel é parte da onda boa que é a solidariedade a Chapecó desde anos antes da tragédia, desde que nasceu.

Não é uma sumidade técnica, não é o novo Guardiola, é apenas o Abelão, aquele cara que ama tanto o Fluminense que lacrimeja quando fala que o Fluminense o salvou de ser bandido, da mesma forma que lacrimeja quando fala do Inter tê-lo ensinado a ser grande técnico ou coisa parecida.

Abel volta pra pacificar o Fluminense sem nenhuma revolução tática ou de gerenciamento, nem aversão a elas.

Abel vem fazer seu trabalho, um time competitivo que jogue por amor ao futebol. Às vezes jogará feio, às vezes bonito, às vezes aberto, às vezes fatal como uma cobra, mas sempre lutando e querendo viver e vencer.

Abel chora, deve ter chorado muito ontem, deve ter abraçado seu filho, deve ter abraçado a camisa do Fluminense e a do Inter, deve ter lembrado de histórias, dos abraços em Caio Junior, dos jogadores que treinou, do medo de avião.

Se bobear a tragédia com a Chapecoense o ajudou a fechar com o Fluminense.

Abel tem coração, assim como demonstramos ter alma e coração ontem, hoje e espero que pra sempre.

A tragédia com a Chapecoense nos lembrou coletivamente, e mundialmente, de nossa finitude e do quanto amamos este esporte que fundamenta nossas identidades em cores e escudos.

A tragédia nos lembrou de um tipo de amor que poucas vezes se vê e viu nos últimos anos, mas que estruturou ideologias, cantos, artes, danças, vitórias.

A tragédia nos fez parecidos com Abel, coração grande que bate forte pelo que ama, que ri alto, que luta, que abraça, que chora.

Abel é a cara deste amor, que ele faça no Flu a volta de uma unidade que nos ajude a sermos mais solidários uns com os outros.

Eu preferia Roger, pela possibilidade de revolução tática, mas Abel nos traz a possibilidade de uma revolução anímica, de alma, de amor, de coração.

Não a banalizada raça ou luta, mas amor mesmo, amor, aquele amor que temos por nossas mulheres e homens, filhos, cães, ideias, aquela vontade de cuidar e abraçar.

A gente precisa de Abel pra aprender de novo um respeito e amor que deixamos cair em algum lugar assim como precisamos de uma tragédia para começar a nos respeitar mais enquanto rivais e respeitar mais os profissionais que dão o sangue pelas cores que amamos.

Todos podem morrer amanhã, essa ideia baliza uma necessidade de nos amarmos mais.

Abel pro Fluminense simboliza o retorno deste amor assim como o Atlético Nacional nos ensinou a possibilidade de sermos maiores do que a mesquinharia cotidiana.

Podemos ser melhores, mais humanistas, mais solidários, mais fortes, menos mesquinhos e sectários.

A hora de crescer chegou.

A esperança realmente é verde.

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Parábola do homem comum, o futebol é como se fosse a arte desenhada pela complexidade do movimento e da ideia quando ginga.

Roubo os versos de Chico Buarque não a toa, mas porque o futebol é música, é cinema, é poesia, é solidariedade, é arte, é livre, é mundo.

A poesia do futebol produz cinema de Ken Loach em busca de Eric ou nomeando Joe.

A ginga da ideia do futebol produz a arquitetura de versos de Chico Buarque, a epifania de Novos Baianos, a africanidade de Jorge Ben.

O futebol tira a cidade inteira numa tarde bonita só para o ver jogar.

O futebol ensina que mesmo em modernidades e capitalização de seus mundos, estádios e festas há ali o menino (E a menina) atrás da bola.

Para carro, para tudo quando já não há tempo.

E o futebol perde a vida atrás da bola.

Porque a arte de entender-se uno em imaginadas comunidades que vestem as mesmas cores permite-nos saber a paixão de outras cores.

Aquele jogo, aquele dia, aquela bola, aquele gol, aquela perda, aquele luto.

O futebol metaforiza a coletividade que de passe em passe chega ao uníssono chamado gol.

O futebol é o acorde perfeito maior.

Quem dera todo mundo pudesse brilhar num cântico todo o tempo como muitas vezes faz no futebol.

O rude e violento esporte bretão é doce, como morrer no mar, a ponto de transformar o universo em uma metáfora verde de um esperanto chutado a gol.

A tragédia fez da Chapecoense mais que um time, mais que um clube, mas uma metáfora do esperanto que nossos corações esperavam pra saber-nos decentes, humanos e solidários, é a síntese do passe, da arte, da bola, do gol.

A verde cor do sonho refez através da tragédia seu símbolo de esperança.

Somos todos hoje um só, unidos na dor de imaginar-nos sem aqueles que nos simbolizam cotidianamente, solidários na dor de saber o que a perda significa, inteiros na cor verde que nos mostras que a dor nos fez melhores.

E essa metáfora nos ajuda a rebolar pra continuarmos meninos que na rua continuamos numa pelada.

E essa dor nos faz meninos, humanos, verdes, vivos.

E o futebol fez do mundo um sonho brasileiro.

E quem não chora?

Só se não for brasileiro nessa hora.