A Torcida do Atlético Nacional de Medellin compôs o seguinte cântico ontem:
“Que lo escuchen
En todo el continente
Siempre recordaremos
Campeon al Chapecoense #ForçaChape”
Ao ouvi-lo não pude deixar de me emocionar. Porque tem uma enormidade esse canto, essa torcida e esse clube que transforma tudo em pequenez, todos em menores, e isso é bom, porque essa percepção de consciente pequenez nos permite o aprendizado da melhora.
Aliás, salvo pontuais exemplos de estupidez cotidiana tudo o que envolveu a tragédia com a Chapecoense nos ensinou mundialmente caminhos de melhoria e transformação humanas poucas vezes vistos na história da humanidade.
O que vai permanecer vivo depois do período de luto não sabemos, podemos apenas rezar para que as diversas lições em inglês, francês, português, alemão, árabe, chinês, japonês, espanhol, etc permeie uma renovação no humanismo que fez o mundo um tanto melhor nos últimos séculos.
Sabemos que o mundo tem a velha mania de nos surpreender negativamente, e está aí Trump para não nos desmentir, mas vá lá, quem sabe, episódios traumáticos como esses nos renovem enquanto pessoas.
Não é todo dia no velho e violento esporte bretão que uma equipe solicita à confederação para perder um título e que esse seja atribuído ao adversário abatido por uma tragédia, vamos combinar.
Não é todo dia que brasileiros, das nacionalidades mais egoístas do planisfério, apoiam coletivamente o renascimento de uma equipe que o senso comum colocaria como “Pequena” em nome de nossa estrutural hierarquização e não só, de forma sensível e solidária se colocam exigindo que seus clubes auxiliem concretamente a Chapecoense, inclusive negativando no SPC moral os presidentes e dirigentes que não respeitaram a dor coletiva.
Aprendemos que existe saída nos últimos dois dias e não faço nenhum malabarismo pra incluir a contratação de Abel pelo Fluminense como parte disso.
Por quê? Abel tem trocentos defeitos, mas falta de amor pela vida, pelo Fluminense e pelo futebol não falta naquele corpanzil.
E não só, Abel é ético como poucos, é humano, é vivo, é bom. Nem precisa ser brilhante pra sacar disso.
Abel é dos poucos caras que se expõe com uma coragem do tamanho de seu corpo para exprimir amor, raiva, dor, mágoa.
Abel é gente, Abel é parte da onda boa que é a solidariedade a Chapecó desde anos antes da tragédia, desde que nasceu.
Não é uma sumidade técnica, não é o novo Guardiola, é apenas o Abelão, aquele cara que ama tanto o Fluminense que lacrimeja quando fala que o Fluminense o salvou de ser bandido, da mesma forma que lacrimeja quando fala do Inter tê-lo ensinado a ser grande técnico ou coisa parecida.
Abel volta pra pacificar o Fluminense sem nenhuma revolução tática ou de gerenciamento, nem aversão a elas.
Abel vem fazer seu trabalho, um time competitivo que jogue por amor ao futebol. Às vezes jogará feio, às vezes bonito, às vezes aberto, às vezes fatal como uma cobra, mas sempre lutando e querendo viver e vencer.
Abel chora, deve ter chorado muito ontem, deve ter abraçado seu filho, deve ter abraçado a camisa do Fluminense e a do Inter, deve ter lembrado de histórias, dos abraços em Caio Junior, dos jogadores que treinou, do medo de avião.
Se bobear a tragédia com a Chapecoense o ajudou a fechar com o Fluminense.
Abel tem coração, assim como demonstramos ter alma e coração ontem, hoje e espero que pra sempre.
A tragédia com a Chapecoense nos lembrou coletivamente, e mundialmente, de nossa finitude e do quanto amamos este esporte que fundamenta nossas identidades em cores e escudos.
A tragédia nos lembrou de um tipo de amor que poucas vezes se vê e viu nos últimos anos, mas que estruturou ideologias, cantos, artes, danças, vitórias.
A tragédia nos fez parecidos com Abel, coração grande que bate forte pelo que ama, que ri alto, que luta, que abraça, que chora.
Abel é a cara deste amor, que ele faça no Flu a volta de uma unidade que nos ajude a sermos mais solidários uns com os outros.
Eu preferia Roger, pela possibilidade de revolução tática, mas Abel nos traz a possibilidade de uma revolução anímica, de alma, de amor, de coração.
Não a banalizada raça ou luta, mas amor mesmo, amor, aquele amor que temos por nossas mulheres e homens, filhos, cães, ideias, aquela vontade de cuidar e abraçar.
A gente precisa de Abel pra aprender de novo um respeito e amor que deixamos cair em algum lugar assim como precisamos de uma tragédia para começar a nos respeitar mais enquanto rivais e respeitar mais os profissionais que dão o sangue pelas cores que amamos.
Todos podem morrer amanhã, essa ideia baliza uma necessidade de nos amarmos mais.
Abel pro Fluminense simboliza o retorno deste amor assim como o Atlético Nacional nos ensinou a possibilidade de sermos maiores do que a mesquinharia cotidiana.
Podemos ser melhores, mais humanistas, mais solidários, mais fortes, menos mesquinhos e sectários.
A hora de crescer chegou.